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3 de jun. de 2011

Redação e Teatro

Pouco tempo atrás, postei num dos grupos de discussão do linkedin,  algumas dicas de como melhorar sua comunicação diante dos desafios de uma empresa.


E nesse comentário, (link do grupo de discussão) sugeri ao grupo, tentar sair do ambiente profissional e experimentar algo muito diferente como o teatro.
Comentei sobre minha experiência com relação a melhora na oratória e também a maneira como era visto pelos meus clientes e colegas de trabalho.
Mas sem dúvida, o que mais relevante aconteceu, nesta minha imersão aos domínios de Dionísio, foi a descoberta da redação, isso mesmo, o teatro mudou a maneira como eu me expressava na escrita. 

Primeira consequência disso é o surgimento efetivo deste blog.



E para provar o que estou dizendo, segue abaixo um texto que fiz, para uma aula sobre Nelson Rodrigues (texto inspirado na obra: "A dama do lotação")



O carro do Sr. Horácio

Que terça-feira era aquela.
Logo pela manhã me vem o sr. Horácio, mais antigo cliente da oficina, com seu carro azul anos 60, que pelo som que emitia, soube que mais uma vez a junta homocinetica estava prestes a se partir. A peça que eu mesmo havia substituído no sábado anterior.

Logo ele, que havia dado uma gorjeta digna dos melhores tempos em que homens praticavam o reconhecimento pelos bons serviços prestados.

Entrou manobrando seu carro entre peças de diferentes tamanhos e estados deixadas ao chão a espera de um pouco de atenção que lhes desse o destino.

Olhei para o Sr. Horácio, agora saindo de seu carro, com o rosto vermelho, o suor contido em sua testa também vermelha e reluzente devido aos poucos fios que lhe restavam no alto da cabeça.

Antes que movesse os lábios para dizer, inconformado, o quanto estava decepcionado com nosso serviço, me adiantei ao seu encontro e garanti que iria resolver seu problema, sem custo algum e que aquele carro era de minha inteira responsabilidade.

Agora estou aqui, nesta lotação, indo em direção ao centro velho, antes que a tarde termine, para buscar em caráter de emergência, uma nova junta homocinética para o carro do sr. Horácio, sabendo que este prejuízo sairá do meu ordenado, que já é mísero, nunca suficiente sequer para honrar as contas diárias, quanto mais cobrir os custos de situações como essa.

Acho que nem mesmo o patrão faria o que fiz para manter esse cliente, o patrão não sabe como funciona, não percebe que a oficina só existe porque eu estou lá. Pena que o Sr. Antônio tenha falecido, ele sim sabia como atender um cliente, saberia valorizar minha atitude, mas isso são águas passadas ,afinal agora quem dirige essa oficina é esse sujeitinho incompetente que só esta lá porque herdou tudo o que o pai construiu.

Bem que esse lotação poderia me levar para onde ninguém nunca mais me encontrasse.

Mais uma parada, mais gente subindo, em breve não haverá espaço nem mesmo para o vento que entra pelas janelas.

Outra parada, mais 3 pessoas subindo, um estudante que pelos trajes, deve estar saindo da aula de educação física. Lembro do meu filho que em breve estará usando uniforme do grupo escolar do nosso bairro. Sobe também um senhor, que pelo tempo que demora, imagino que deva estar sentindo o peso da idade, as juntas travadas e rangendo como os carros que chegam todo dia na oficina. Atrás dele sobe uma mulher, que todos olham, talvez pela sua beleza, mas acredito que muito mais pela sua altivez, caminha não mais que dois passos se ajeitando pelo corredor, olha em minha direção e algo me faz pular imediatamente de meu acento para lhe ceder o lugar, ela olha diretamente em meu rosto, e sem nenhuma palavra saída de sua boca, mas apenas com o olhar, agradece e se prepara para sentar.

Qdo passa por mim, no pequeno espaço entre meu corpo e o desconfortável acento de passageiros, sinto seu perfume, suave, limpo assim como sua pele de fino trato.

Observo então minha figura, tão comum, com as unhas marcadas pelo ofício e tenho vontade de me afastar para não macular com minha sujeira comum de trabalhador, nem mesmo um único fio de tecido que veste o corpo daquela mulher.

Ela se senta e meus olhos são atraídos ao colo alvo, limpo e suave daquele ser divino de seios suaves, não tão grandes como as mulheres dos calendários nem tão miúdos como das moças que desfilam roupas de valores que nem ouso calcular, mas simplesmente belos, com uma certa imperfeição talvez fruto da idade, mas divinamente sensuais. Ela se acomoda melhor permitindo revelar, a aureola rosada e perfeita semi-encoberta pelo leve tecido de suas vestes.

Naquele momento sinto um desejo quase incontrolável de possuir aquela mulher, meu coração acelera, sinto todo meu corpo rejuvenescido como se todo o cansaço do dia e dos anos de uma vida de sacrifícios tivesse simplesmente deixado de existir.

O som do coletivo, as buzinas, as pessoas que entravam, estavam todos a mil quilómetros de distância, nada mais importava, meu mundo se resumia aquele pequeno pedaço de seio.

Um passageiro toca meu ombro e pede licença, saio do meu transe e noto envergonhado que aquela mulher me olhava, e notei que ela sabia o que eu estava pensando.
Fiquei ruborizado, me senti imundo, um sujeito inferior a um inseto, não sabia o que fazer, sair, pedir desculpas, gritar com o passageiro que agora pisava meu pé esquerdo.

Não fiz nada, simplesmente devolvi o seu olhar. Para minha surpresa, ela o sustentou e vagarosamente baixou a altura da minha cintura. Voltou a se ajeitar no banco, permitindo que dessa vez seu seio se mostrasse por inteiro. Então pude estudar cada contorno de sua pele, a nuca, as orelhas perfeitas, seus ombros e a silhueta de seu rosto, notei que era triste, como quem não se importa com o que acontece ao mundo ou a si mesma.

Fiquei naquela posição por mais algumas quadras, quando notei que deveria descer na próxima parada. Comecei a virar meu corpo em direção a porta do lotação qdo ela com um suave movimento de suas mãos, toca em meu uniforme e diz: - Posso acompanhar o senhor ?

Vi algumas lojas e velhos hotéis passarem vagarosamente pela janela, enquanto abria caminho para que minha parceira de destino caminhasse a minha frente enquanto eu a seguia.  





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